Por Sonia Fonseca Rocha
O Azul da Prússia é um medicamento indicado em contaminações
com Tálio, Rubídio e principalmente com
Césio, independentemente da via de contaminação. Este medicamento foi
utilizado nas vítimas do acidente em Chernobyl (Rússia), que também tinham sido
irradiadas e contaminadas com o Césio. Desta forma, decidiu-se por utilizar
este medicamento nas vítimas do acidente
radioativo de Goiânia. Ele não é absorvido pelo tubo gastrointestinal e é de
baixa toxicidade. Funciona como uma resina de troca iônica. O Césio, que é
excretado por via urinária, passa então a ser também eliminado pelas fezes.
Este medicamento, se administrado em 10 minutos após a
contaminação radioativa, reduz a absorção em 40%. Como não é absorvido pelo
organismo, seu efeito é local, não havendo toxicidade ou contra-indicação.
No caso das vítimas do acidente radiológico de Goiânia, não
se sabia exatamente que dose utilizar, uma vez que os pacientes só começaram a
ser corretamente tratados cerca de 15 dias após a contaminação radioativa, além
da grande dificuldade, na época, em se estabelecer a dose de radiação que cada
vítima havia recebido.
A partir da administração do Azul da Prússia, os pacientes
passaram a eliminar grandes quantidades de Césio pela urina e fezes. A
radiometria dos excretas permitiu regular a posologia do Azul da Prússia para
cada paciente.
Graças à ação do Azul da Prússia, ocorreu a inversão da
relação excretora urina/fezes, observando-se um aumento de 75% da excreção
fecal, o que foi comprovado pelos estudos radiométricos dos excretas,
realizados no IRD.
Para o tratamento dos pacientes, utilizou-se a dose
preconizada pela literatura, ou seja, um grama três vezes por dia, elevando-se
a dose até nove gramas/dia, sem o aparecimento de efeitos colaterais.
Inicialmente, utilizou-se o medicamento de fabricação alemã, com o nome
comercial de Radiogardase, enquanto a Marinha do Brasil, por intermédio do seu
Laboratório Farmacêutico, progredia nos estudos para sua fabricação.
A utilização do Azul da Prússia foi fator decisivo na redução
da contaminação radioativa dos pacientes.
A fabricação pelo Laboratório Farmacêutico da Marinha (LFM)
Apurou-se que no acidente em Chernobyl as vítimas também
foram irradiadas e contaminadas pelo Césio, na condição de subproduto de
fissão. Na época, sugeriu-se que fosse utilizado naqueles pacientes um produto
denominado Radiogardase (Azul da Prússia). Assim, a Diretoria de Saúde da
Marinha, em conjunto com os especialistas em Radioproteção e em Medicina
Nuclear já atuando no atendimento aos pacientes de Goiânia, decidiu pela
imediata importação do Azul da Prússia. Rapidamente, o produto foi colocado à
disposição no HNMD, para que fosse utilizado no tratamento das vítimas do
acidente radioativo.
Simultaneamente, farmacêuticos da Marinha do Brasil lotados
no Hospital Central da Marinha (HCM), que possuíam em sua estrutura um
excelente Laboratório de Análises Clínicas, passaram a pesquisar o produto. As
pesquisas foram coroadas de êxito e eles elaboraram a primeira amostra do
medicamento em caráter experimental, sendo criado o Ferrocianeto de Ferro e
Potássio. Verificou-se que o produto desenvolvido captava cerca de 90% do Césio
do organismo (teste realizado in vitro), em contrapartida à Radiogardase de
origem alemã, que captava em torno de 35%. Os trabalhos de pesquisa
prosseguiram no LFM, em conjunto com o Instituto de Radioproteção e Dosimetria
(IRD).
Os farmacêuticos do HCM, em conjunto com os farmacêuticos do
LFM e após rigoroso controle de qualidade químico e biológico, começaram a
fabricação de maiores quantidades de Azul da Prússia, tanto para aplicação
superficial no corpo das vítimas como na superfície de materiais contaminados
pelo Césio. Durante todo este processo, o produto era testado no laboratório do
IRD. Desenvolveu-se desta forma a tecnologia de produção do Azul da Prússia
pela Marinha do Brasil e pela CNEN, através do IRD.12
Na época, o produto não pôde ser utilizado pelas vítimas por
via endógena porque dependia ainda de ensaios toxicológicos e um mínimo de
cinco anos de estudos comprobatórios. A Marinha do Brasil, por intermédio do
Laboratório Farmacêutico da Marinha, levou adiante os estudos para
desenvolvimento do Ferrocianeto Férrico, para substituir a Radiogardase,
visando cumprir os requisitos necessários para prontificação do Plano de Emergência
Nuclear Brasileiro. Em paralelo a estes estudos, o LFM se dedica a uma segunda
fase, que é a pesquisa e execução de ensaios clínicos deste novo medicamento a
ser denominado Ferrocianeto de Potássio-LFM.