quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

O Azul da Prússia

Por Sonia Fonseca Rocha

O Azul da Prússia é um medicamento indicado em contaminações com Tálio, Rubídio e principalmente com  Césio, independentemente da via de contaminação. Este medicamento foi utilizado nas vítimas do acidente em Chernobyl (Rússia), que também tinham sido irradiadas e contaminadas com o Césio. Desta forma, decidiu-se por utilizar este medicamento  nas vítimas do acidente radioativo de Goiânia. Ele não é absorvido pelo tubo gastrointestinal e é de baixa toxicidade. Funciona como uma resina de troca iônica. O Césio, que é excretado por via urinária, passa então a ser também eliminado pelas fezes.

Este medicamento, se administrado em 10 minutos após a contaminação radioativa, reduz a absorção em 40%. Como não é absorvido pelo organismo, seu efeito é local, não havendo toxicidade ou contra-indicação.

No caso das vítimas do acidente radiológico de Goiânia, não se sabia exatamente que dose utilizar, uma vez que os pacientes só começaram a ser corretamente tratados cerca de 15 dias após a contaminação radioativa, além da grande dificuldade, na época, em se estabelecer a dose de radiação que cada vítima havia recebido.

A partir da administração do Azul da Prússia, os pacientes passaram a eliminar grandes quantidades de Césio pela urina e fezes. A radiometria dos excretas permitiu regular a posologia do Azul da Prússia para cada paciente.

Graças à ação do Azul da Prússia, ocorreu a inversão da relação excretora urina/fezes, observando-se um aumento de 75% da excreção fecal, o que foi comprovado pelos estudos radiométricos dos excretas, realizados no IRD.

Para o tratamento dos pacientes, utilizou-se a dose preconizada pela literatura, ou seja, um grama três vezes por dia, elevando-se a dose até nove gramas/dia, sem o aparecimento de efeitos colaterais. Inicialmente, utilizou-se o medicamento de fabricação alemã, com o nome comercial de Radiogardase, enquanto a Marinha do Brasil, por intermédio do seu Laboratório Farmacêutico, progredia nos estudos para sua fabricação.

A utilização do Azul da Prússia foi fator decisivo na redução da contaminação radioativa dos pacientes.

A fabricação pelo Laboratório Farmacêutico da Marinha (LFM)

Apurou-se que no acidente em Chernobyl as vítimas também foram irradiadas e contaminadas pelo Césio, na condição de subproduto de fissão. Na época, sugeriu-se que fosse utilizado naqueles pacientes um produto denominado Radiogardase (Azul da Prússia). Assim, a Diretoria de Saúde da Marinha, em conjunto com os especialistas em Radioproteção e em Medicina Nuclear já atuando no atendimento aos pacientes de Goiânia, decidiu pela imediata importação do Azul da Prússia. Rapidamente, o produto foi colocado à disposição no HNMD, para que fosse utilizado no tratamento das vítimas do acidente radioativo.

Simultaneamente, farmacêuticos da Marinha do Brasil lotados no Hospital Central da Marinha (HCM), que possuíam em sua estrutura um excelente Laboratório de Análises Clínicas, passaram a pesquisar o produto. As pesquisas foram coroadas de êxito e eles elaboraram a primeira amostra do medicamento em caráter experimental, sendo criado o Ferrocianeto de Ferro e Potássio. Verificou-se que o produto desenvolvido captava cerca de 90% do Césio do organismo (teste realizado in vitro), em contrapartida à Radiogardase de origem alemã, que captava em torno de 35%. Os trabalhos de pesquisa prosseguiram no LFM, em conjunto com o Instituto de Radioproteção e Dosimetria (IRD).

Os farmacêuticos do HCM, em conjunto com os farmacêuticos do LFM e após rigoroso controle de qualidade químico e biológico, começaram a fabricação de maiores quantidades de Azul da Prússia, tanto para aplicação superficial no corpo das vítimas como na superfície de materiais contaminados pelo Césio. Durante todo este processo, o produto era testado no laboratório do IRD. Desenvolveu-se desta forma a tecnologia de produção do Azul da Prússia pela Marinha do Brasil e pela CNEN, através do IRD.12

Na época, o produto não pôde ser utilizado pelas vítimas por via endógena porque dependia ainda de ensaios toxicológicos e um mínimo de cinco anos de estudos comprobatórios. A Marinha do Brasil, por intermédio do Laboratório Farmacêutico da Marinha, levou adiante os estudos para desenvolvimento do Ferrocianeto Férrico, para substituir a Radiogardase, visando cumprir os requisitos necessários para prontificação do Plano de Emergência Nuclear Brasileiro. Em paralelo a estes estudos, o LFM se dedica a uma segunda fase, que é a pesquisa e execução de ensaios clínicos deste novo medicamento a ser denominado Ferrocianeto de Potássio-LFM.