Por Manoel Rodrigues Martins e Luiz Eduardo Ghetti*
Os Laboratórios Farmacêuticos Militares têm tido, ao longo de suas
histórias, e ao contrário do que poucos sabem, uma marcante e destacada
presença na História do Brasil, desde os primórdios da nossa nacionalidade.
Imperioso lembrar que a chegada da Corte Portuguesa ao Brasil,
destacou-se com um importantíssimo marco para o estabelecimento das bases da
indústria brasileira por meio da criação, no dia 21 de maio de 1808, da Botica
Real Militar do Brasil, hoje Laboratório Químico-Farmacêutico do Exército
(LQFEx), considerado a primeira indústria nacional brasileira e também da
América Latina.
Noventa e oito anos depois, no dia 09 de novembro de 1906, é criado o
Laboratório Pharmacêutico da Marinha e Gabinete de Análises que se fundiram,
formando o hoje Laboratório Farmacêutico da Marinha (LFM). Finalmente, no dia
21 de maio de 1971, é criado, a partir da Seção de Farmácia Hospitalar do
antigo Hospital da Aeronáutica do Galeão, o Laboratório Químico-Farmacêutico da
Aeronáutica (LAQFA).
Pode-se dizer que um momento marcante na vida dos Laboratórios
Farmacêuticos Militares se deu com a criação da Central de Medicamentos (CEME),
em 1982, Órgão do Ministério da Saúde, que passou a utilizar grande parte da
capacidade operacional desses Laboratórios, que se constituíram a partir de
então, em grandes e destacados parceiros daquela Instituição.
Deve ser frisado, que a produção de medicamentos próprios para cada uma
das Forças Armadas permaneceu inalterada, apesar da considerável demanda que a
produção para a CEME passou a representar.
Assim sendo, tendo em vista a expressiva produção para o Ministério da
Saúde, os três Laboratórios Farmacêuticos Militares foram convidados a integrar
a Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Oficiais do Brasil – ALFOB – com
sede em Brasília, incluindo a participação dos Diretores desses Laboratórios no
Conselho Diretor da ALFOB.
A partir da ALFOB, outro fato
marcante foi a inclusão desses Laboratórios, a partir de 2005, na Rede
Brasileira de Produção Pública de Medicamentos (extinta em 2007), para a
produção de medicamentos ditos “Institucionais”, tendo em vista o seu elevado
papel estratégico frente à demanda no Brasil.
O
Ministério da Saúde, por meio da Portaria nº 978/2008, com base na história de
exitosas parcerias mais uma vez destacou os Laboratórios Farmacêuticos
Militares, a participar como principais atores nos processos de transferência
de tecnologia, no ciclo de nacionalização da produção de “Medicamentos
Imunossupressores” tendo em vista o seu elevado custo para o governo e a
população, aliado a expressiva demanda desse tipo de produto.
Já os ”Medicamentos
Estratégicos” incluem, por sua vez, aqueles que não são produzidos pelas
multinacionais farmacêuticas, tendo em vista o seu baixíssimo valor financeiro
agregado em sua distribuição no País. Entre esses medicamentos podem ser
citados aqueles empregados no tratamento da tuberculose e da hanseníase
(lepra), onde os Laboratórios Farmacêuticos Militares têm suprido, já há alguns
anos, a demanda nacional.
Quando o assunto é tratamento, seja clínico ou cirúrgico, em qualquer
tipo de enfermidade, a primeira idéia que ocorre é a busca pelo medicamento
certo, prescrito corretamente e oportunamente ofertado. Vale dizer, portanto,
que o medicamento se traduz como o próprio “vetor da cura”, no tratamento das mais
diversas patologias que existem.
Pode-se dessa forma, seguramente afirmar, que medicamento é fator de
segurança nacional, pois não há como tratar e curar sem a presença do mesmo.
Para corroborar essa máxima buscamos no estrategista Edward Earle a afirmação:
“controlar e aplicar os vários recursos de uma nação, assegurando-os contra
ameaças, configura a Grande Estratégia Nacional”. Sem dúvida, o controle das
atividades industriais, efetivamente estabelecidas ou potenciais, é uma das formas
de manifestação do poder de uma nação.
Depreende-se assim, que entre o rol das estratégias específicas que
compõem a Grande Estratégia Nacional, a de desenvolvimento, a de emprego e de
controle do setor industrial torna-se fundamental. Deve ser obrigatoriamente destacado que nesse
contexto, a indústria farmacêutica ocupa uma posição ainda mais peculiar, pois
sendo área integrante do campo da saúde, manifesta-se de modo inquestionável
nos campos da ciência e tecnologia e psicossocial de qualquer nação, ou seja,
sem medicamento não existe qualquer hipótese para tratar ou curar em qualquer
fase ou etapa do tratamento.
Sensível e sabedores dessa realidade, os países exportadores de
matérias-primas farmacêuticas, todos de primeiro mundo, em particular os
Estados Unidos da América obtiveram no ano de 2005 os seguintes percentuais:
18% nas vendas voltadas à indústria farmacêutica em comparação aos 6% da
indústria eletrônica, 5% das telecomunicações e 4% da automotiva, uma vez que
os insumos farmacêuticos ou matérias-primas farmacêuticas estão entre os
produtos de maior valor agregado que existem.
Para que se possa avaliar essa realidade, deve ser informado que no
desenvolvimento de uma única molécula farmacêutica (fármaco ou princípio
ativo), são gastos entre U$ 900 milhões e US$ 1,3 bilhão de dólares, demandando
um tempo compreendido entre oito (8) a doze (12) anos desde os ensaios iniciais
até seu lançamento no mercado. Importante informar que o Brasil importa
atualmente cerca de 94% de toda a matéria-prima farmacêutica, com sérios riscos
à soberania nacional.
Apesar de pouco conhecidos e às vezes até questionados, os Laboratórios
Farmacêuticos Militares têm prestado, já há muitas décadas, inestimáveis
serviços ao Brasil, não apenas em situações de conflitos, apoiando seus
respectivos Comandos Militares, bem como no suporte aos diversos Programas de
Saúde do Governo Federal.
Nas ocasiões de conflito, obrigatório citar, que a participação dos
laboratórios Farmacêuticos Militares sempre se mostrou destacada. Marco da
indústria farmacêutica nacional, como já foi citado, o Laboratório
Químico-Farmacêutico do Exército (LQFEx), comprovou sua importância nos
principais eventos que marcaram a História do Brasil. Marcou presença
fabricando e fornecendo medicamentos em diversos momentos, desde a Guerra do
Paraguai e Campanha de Canudos até as duas Guerras Mundiais, apoiando com o
imprescindível medicamento as tropas de combate das Forças Armadas Brasileiras.
Se, nas ocasiões de conflito a idéia de ameaça à integridade de uma
nação é evidente, em tempos de paz surgem os adversários internos, invisíveis,
mas não menos danosos. Em períodos de carência na área social, parcelas
significativas da população ficam expostas a uma deficiente infra-estrutura
sócio-econômica incluindo alimentação, suporte sanitário, assistência médica e
a obrigatória presença do medicamento, fatores que somados resultam nos estados
mórbidos muitas vezes mais impactantes na sociedade do que os conflitos
declarados.
Situações não menos comuns, porém igualmente graves e mais urgentes
surgem nos casos de calamidade pública, seja no âmbito nacional ou mesmo no
auxílio às Nações Amigas. Um exemplo marcante da participação da área de saúde
do então Ministério da Aeronáutica ocorreu em 1985, na “Operação Anauhac”,
quando o Brasil prestou socorro às vítimas do grande terremoto que devastou a
Cidade do México com a disponibilização e a aplicação de medicamentos
fabricados nos Laboratórios Farmacêuticos Militares da Marinha, Exército e
Aeronáutica.
Remediando situações como essas, têm sido frequente, nas últimas
décadas, a participação direta ou indireta dos Laboratórios Farmacêuticos
Militares nas Ações Cívico-Sociais (ACISO), operacionalizadas pelas três Forças
Armadas nas mais longínquas e carentes regiões do País, por meio da
distribuição e dispensação de medicamentos e de outros itens básicos para o
atendimento médico. Nessas ocasiões, observa-se a grande importância da
indústria farmacêutica militar, bem como a necessidade da busca da
auto-suficiência na pesquisa de novas matérias-primas farmacêuticas para a
produção, distribuição e dispensação de medicamentos, em função dos
exorbitantes preços praticados pelas multinacionais farmacêuticas que atuam no
Brasil.
Deve ser obrigatoriamente informado, que por inúmeras vezes, ao longo
dos últimos anos, determinados produtos foram sumariamente retirados de
circulação no momento que o lucro não foi percebido na dimensão projetada pelas
multinacionais produtoras de medicamentos. Esse é um fato extremamente grave,
uma vez que dependendo da doença instalada, o uso do medicamento é inelástico,
ou seja, sem a sua presença ocorrerá irremediavelmente o óbito. Como exemplo
podem ser citadas as doenças metabólicas, como o diabetes (9% da população
brasileira), as doenças cardiovasculares (26%) da população, além de doenças envolvendo
as alterações hormonais (hipotiroidismo e hipertiroidisnmo), doenças
inflamatórias e infecciosas, além de muitas outras.
Um outro fato digno de destaque em relação aos Laboratórios
Farmacêuticos Militares, diz respeito à constante e crescente participação dos
mesmos nas campanhas governamentais de assistência básica de medicamentos à
população brasileira, marcando presença em importantes programas de saúde,
entre os quais os de combate a AIDS, a Hanseníase, a Tuberculose e aos estados
carenciais, entre outros.
Os Laboratórios Farmacêuticos Militares têm marcado importante presença
ainda, na ação reguladora de mercado quando convocados pelo Ministério da Saúde
a participarem, em conjunto com os demais Laboratórios Farmacêuticos Oficiais
da Rede Estadual, da fabricação de itens estratégicos, com vistas à economia de
recursos, cuja produção seja monopolizada por grupos multinacionais.
O Laboratório Químico-Farmacêutico da Aeronáutica (LAQFA), como um dos
primeiros laboratórios farmacêuticos do Brasil a integrar efetivamente a
Central de Medicamentos (CEME), tem participado continuamente ao longo de sua
história, como instrumento de produção dos citados “medicamentos estratégicos” para
o País.
Em sua destacada história, já em 1972, somente um ano após sua fundação,
o LAQFA iniciou, por meio do seu corpo técnico, estudos farmacotécnicos para
desenvolver o medicamento Insulina de 40 e 60 Ul/ml, concluída em março de
1976. Fato marcante na trajetória do LAQFA, esse medicamento veio a suprir todo
o território nacional, até o ano de 1979, uma vez que o único laboratório
farmacêutico multinacional que comercializava esse produto no Brasil
(multinacional americana), descontinuou o seu fornecimento, causando um
verdadeiro pânico entre os usuários do mesmo. Foi a partir da insulina
cristalizada, obtida pela BIOBRÁS S.A. que o LAQFA pode produzir esse
medicamento.
Esse fato representou de maneira clara e inequívoca o papel estratégico
dos Laboratórios Militares, uma vez que sem o trabalho de pesquisa desenvolvido
pelo LAQFA, que possibilitou a oportuna fabricação desse produto,
imprescindível para o paciente diabético insulino-dependente, milhares de
óbitos teriam ocorrido no Brasil, incluindo o público militar.
Da mesma forma, entre os anos de 1983 a 1985, o LAQFA mais uma vez
contribuiu para o abastecimento do mercado interno, com a produção de Solução
para Hemodiálise, utilizado pelo paciente renal, tendo em vista a escassez do
produto no mercado, envasando em torno de 8.000 litros diários desse produto e
suprindo todo o território nacional.
Merece, ainda, destaque, a atuação do LAQFA em parceira com os Parques
de Material de Aeronáutica, como um conjunto de unidades industriais. Essa
parceria mostrou-se bastante eficaz, pois o LAQFA, mobilizando sua tecnologia
de produção de soluções líquidas, obteve êxito em substituir um produto de
lavagem de aeronaves então adquirido no mercado internacional a custos
exorbitantes, por um similar desenvolvido e testado no âmbito do então
Ministério da Aeronáutica. Com a normalização do mercado e a retração dos
preços, esta produção foi sendo gradativamente suspensa.
Ainda quanto à produção estratégica, o LAQFA foi convocado, em março de
2000, a pesquisar, desenvolver e produzir o medicamento lodeto de Potássio 130
mg comprimido. Esse medicamento, incomum na prática médica usual, é empregado nos
casos de prevenção e nas emergências pós-acidentes nucleares, onde ocorre
intensa liberação de iodo radioativo, com a finalidade de impedir a absorção do
mesmo pela glândula tireóide. Na oportunidade, a Fundação Eletronuclear de
Assistência Médica (FEAM), situada na cidade de Angra dos Reis, encontrava
grandes dificuldades em importar esse produto, inexistente no mercado nacional
e cujo fornecimento foi subitamente descontinuado pela França. Sua baixíssima
demanda, altamente específica, tornava-o desprovido de interesse de qualquer
exploração comercial e, consequentemente, sem perspectiva de desenvolvimento
por parte de qualquer multinacional farmacêutica ou mesmo por laboratórios
privados no território nacional.
Alheio à obstinação do lucro e fiel a sua missão estratégica, o LAQFA
desenvolveu o produto e preencheu esta lacuna abastecendo, a partir de então, a
Fundação Eletronuclear de Assistência Médica, evitando o desabastecimento desse
item imprescindível, pois é previsto que as usinas nucleares possuam esse
antígeno estocado para o caso da emissão de radiações ionizantes.
O Iodeto de Potássio 130 mg, foi registrado pelo LAQFA, na Agência
Nacional de Vigilância Sanitária, em setembro de 2006, sendo o primeiro produto
do gênero na América Latina.
A indústria farmacêutica, obrigatório informar, é uma indústria de
transformação, onde os insumos farmacêuticos (matérias-primas farmacêuticas ou
farmoquímicos), são progressivamente manipulados segundo uma fórmula
farmacêutica pré-estabelecida, com vistas à obtenção de uma forma farmacêutica
específica (comprimidos revestidos, laqueados, sublinguais ou efervescentes,
drágeas, cápsulas, pós, pomadas, cremes, colírios, soluções injetáveis e
extemporâneas). O Brasil importa atualmente, cerca de 94% (noventa e quatro por
cento) da matéria-prima farmacêutica, o que constitui um grande risco à
soberania nacional pelo perigo de desabastecimento de determinadas classes de
matérias-primas farmacêuticas, a exemplo do que já têm acontecido com outros
países em situações de conflito (Guerra das Malvinas, por exemplo), por
embargos econômicos ou mesmo políticos.
O
mercado de insumos farmoquímicos é bastante diversificado, com os maiores
produtores localizados nos Estados Unidos, Europa, Japão, China e Índia, aonde
os países do bloco asiático vêm se destacando cada vez mais, em função dos
grandes incentivos de produção por parte
dos governos daqueles países.
Como já foi citado neste texto, o custo médio estimado na pesquisa de um
novo fármaco está na ordem de U$ 900 milhões a US$ 1,3 bilhão, com um tempo
médio de oito (8) a doze (12) anos despendidos no desenvolvimento do mesmo.
Apenas 01 (um) único entre 5.000 (cinco mil) moléculas pesquisadas chega aos pacientes
e, entre 07 (sete) e 10 (dez) drogas não cobrem os custos do processo com as
diversas fases da pesquisa. Uma vez homologados para o consumo, esses
medicamentos estão amparados pela “reserva de patentes”, por até 20 (vinte)
anos. Somente depois de expirado esse prazo, um outro laboratório farmacêutico
que possua o Certificado das Boas Práticas de Fabricação poderá produzi-lo como
medicamento genérico devendo, no entanto, desenvolver a sua própria formulação.
A expectativa de lucro desses laboratórios multinacionais apenas no primeiro
ano de circulação do novo produto, atinge a casa dos U$ 30 bilhões.
As pesquisas na área da farmoquímica no Brasil estão muito defasadas e
deixam muito a desejar. Observa-se que nos Estados Unidos e países europeus,
por exemplo, as empresas estabelecem parcerias importantes com as universidades
no sentido de captar novos ensaios e pesquisas nos vários campos da ciência, ou
seja, a empresa está dentro da universidade. No Brasil observa-se, infelizmente,
o contrário e os resultados aí estão: 94% de importação de farmoquímicos com
patentes prejuízos e perigos à soberania nacional.
Acreditamos que apenas por meio do estabelecimento de uma política
consistente e inteiramente voltada á área dos farmoquímicos, não só pelo seu
elevado valor estratégico e agregado, o Brasil poderá dar os primeiros passos,
ainda que tímidos, em direção a essa imperiosa necessidade. Não há como
permanecer nessa perigosa situação de uma quase total dependência nessa área,
uma vez que não há como tratar ou curar sem medicamentos. Observa-se ainda, que
as doenças cardiovasculares e os diabetes, têm crescido assustadoramente no
Brasil que importa quase 100% dos medicamentos utilizados nessas patologias, o
que é um grande risco.
É fato que os Laboratórios Farmacêuticos Militares da Marinha, Exército
e Aeronáutica, dispõem de uma massa crítica formada por excelentes
profissionais farmacêuticos que poderiam ser explorados e direcionados à pesquisa
e ao desenvolvimento de moléculas farmacêuticas em parcerias com as
Universidades no Brasil e cursos no exterior, para que se possa caminhar com
consistência nessa linha de ação.
Há que se destacar ainda os chamados “Produtos Órfãos”, representados
por aqueles medicamentos que tratam doenças específicas e típicas de um país
tropical como é o Brasil, no caso a leishmaniose, a malária, a doença de
Chagas, por exemplo, doenças essas que simplesmente não existem nos países
produtores de insumos farmacêuticos.
Além dessas, existem ainda doenças endêmicas outras como a tuberculose e
a lepra, próprias da promiscuidade, para as quais as matérias-primas
farmacêuticas são totalmente importadas.
Enfim, o Brasil encontra-se, nesse mister, em uma situação totalmente
vulnerável, pois não desenvolveu, até hoje, qualquer política efetiva para a
pesquisa de farmoquímicos.
Uma nação só é soberana quando produz fármacos
que falem a sua própria língua
____________________
* Manoel Rodrigues Martins é Coronel Farmacêutico da
Aeronáutica e Coordenador da Divisão de Assuntos de Logística e Mobilização
Nacional da Escola Superior de Guerra
Luiz Eduardo Ghetti é
Tenente-Coronel Farmacêutico da Aeronáutica e Chefe da Divisão Técnica do
Laboratório Químico-Farmacêutico da Aeronáutica
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